segunda-feira, 19 de maio de 2008

Passado o susto

Quase dois meses depois de chegar a Angola, decido inaugurar este blog. Assim, espero passar a escrever com mais freqüência e de algum modo registrar e compartilhar o que tem sido presenciar as transformações extraordinárias por que passa este país.

Hoje acho conveniente não ter criado este blog logo que cheguei. A vida em Luanda assusta bastante no início. Nas minhas primeiras semanas, tive a impressão de ter me metido numa tremenda roubada ao aceitar um convite de trabalho aqui.

A cidade então me parecia extremamente hostil. As obras com que me deparava a cada esquina (estão em construção shoppings, complexos empresarias e condomínios residenciais de luxo) e que demonstram o vigor da economia angolana não me seduziam.

Pelo contrário, parecia-me (e ainda me parece, em certo sentido) que esses empreendimentos, quando concluídos, acrescentariam ainda mais problemas aos já numerosos enfrentados por quem aqui vive.

Luanda sofre da falta de infra-estruturas básicas: são constantes as interrupções no fornecimento de energia elétrica e água e há enormes congestionamentos nas ruas, sintomas de um crescimento urbano desordenado.

Afinal, a cidade foi planejada para 500 mil habitantes; hoje, calcula-se que a sua população tenha chegado a 4 milhões.

Há ainda outros graves problemas que saltam aos olhos de qualquer recém-chegado: a enorme quantidade de lixo nas ruas (esgotos a céu aberto incluídos, mesmo nos bairros mais nobres), a falta de asfaltamento (restrito a poucas vias nas áreas centrais) e o número altíssimo de vendedores ambulantes.

Em meio a essa confusão, é necessário algum esforço para enxergar aspectos interessantíssimos e auspiciosos das mudanças em curso no país. É a essa tarefa que me proponho neste blog.

Angola é o país que mais cresce no mundo hoje. Em 2007, estima-se que o seu PIB tenha crescido 24,4%. Para este ano, calcula-se um crescimento de 21,4%.

Esses números invejáveis se devem basicamente a dois fatores: a pujança da indústria petrolífera angolana, cujos lucros foram turbinados pela alta mundial nos preços do petróleo, e a pequena base sobre a qual esse crescimento ocorre – após 40 anos de guerra, o país foi completamente arrasado.

Em 2002, quando se assinou o acordo de paz, quase não havia no país estradas, indústrias ou produção agrícola. Todas essas estruturas estão sendo reconstruídas (ou construídas) agora.

Por mais que seja impossível prever até quando durará este período de acentuado crescimento econômico, seus efeitos já se fazem notar e vão além dos vistosos empreendimentos imobiliários em Luanda.

Basta, por exemplo, uma visita ao Roque Santeiro, o maior mercado aberto da África, para que se encontrem sinais da transformação do país. Esses indícios podem não parecer óbvios à primeira vista, pois identificá-los implica deixar de lado alguns preconceitos.

Exemplifico: a precariedade de suas instalações (o mercado está assentado em chão de terra batida e é rodeado por muito lixo) pode levar alguém a concluir que o Roque Santeiro é um emblema do atraso de Angola, quando se trata de um mercado surpreendentemente organizado, onde vendedores sem qualquer instrução demonstram grandes noções de empreendedorismo.

Muitos comerciantes do Roque Santeiro têm aproveitado o bom momento econômico do país para expandir seus negócios e abrir pequenas lojas. Arrisco dizer que o mercado não é só o maior centro comercial a céu aberto da África, mas também a maior escola de negócios do continente.

No campo político, o país igualmente dá mostras de progredir. Em setembro deste ano, ocorrerão eleições legislativas e, em 2009, eleições presidenciais. Será um processo muito delicado, já que as últimas eleições, em 1992, culminaram na retomada da guerra civil.

Hoje, porém, a situação política em Angola é estável, e nenhum grupo parece disposto a voltar aos tempos de conflito.

Não que, com todas essas condições, os caminhos para o desenvolvimento do país estejam livres de obstáculos. As instituições angolanas são frágeis, organismos internacionais apontam alta incidência de corrupção nos órgãos públicos e os índices sociais são dos piores do mundo (a expectativa de vida é de 41,7 anos, para mencionar apenas um deles).

Há ainda a instabilidade vivenciada por alguns países africanos próximos (Zimbábue e o Congo Democrático, por exemplo), o que serve de alerta para que não se cante vitória antes da hora.

Mas mesmo com todos os entraves, poucos angolanos diriam que as condições para o desenvolvimento do país já foram mais favoráveis. Existem, portanto, motivos para se animar.

Ademais, como disse o escritor moçambicano Mia Couto em discurso feito em 2006 na Zâmbia, “o pessimismo é um luxo para os ricos”.

Acompanhemos, pois, se Angola aproveitará a sua chance.

7 comentários:

Pedro Schaffa disse...

Parabéns rapaz!

Isso aqui tem tudo para dar certo. Espero atualizações constantes para nos deixar melhor informados do que você anda vendo por aí.
Boa sorte e seja bem vindo ao maravilhoso mundo da internet...

Abraços!
Pedrinho

Paula C disse...

Pelo menos o país está investindo em alguma coisa.
No Paquistão não havia nenhum empreendimento, portanta dava uma sensação de desolamento. Impossível ter sentimento de esperança em um país como aquele. A única esperança está mesmo fora.

Espero ouvir mais!
Paula

semudei disse...

a dúvida que não quer calar: o mercado chama-se Roque Santeiro por causa da novela?

Rogério Ferro disse...

... Posto isto, expectativas aguçadas esperando novidades...

Abrs e parabéns pela rara lucidez!
Rogério Ferro

J. disse...

Pedro, Paula e Rogério: obrigado e voltem sempre!

E Luiz, prometo investigar a sua pertinente questão.

Abraços

Miltinho disse...

muito bom. nao deixe de atualizar.

Hamilton

Unknown disse...

J.
Parabéns pelo blog. Comecei a ler um pouco sobre a África no blog do Zanini, na Folha. Me interessei e vi que a Ana Estela indicava o seu blog. Continue nos informando sobre as transformações nesse país. Obrigado