quarta-feira, 21 de maio de 2008

Enquanto isso, na África do Sul...

Jornais do mundo todo noticiam que 23 pessoas já foram mortas na maior onda de violência na África do Sul desde o fim do apartheid.

Insatisfeita com os altos índices de desemprego no país e com a escalada nos preços dos alimentos, parte da população pobre de Johanesburgo e arredores elegeu os culpados: os imigrantes – em sua maioria, zimbabuanos que fugiram do colapso econômico em seu país ou da repressão política perpetrada pela ditadura de Robert Mugabe.

Também são alvos imigrantes pobres de Moçambique, do Malaui e do reino de Lesoto. Alguns foram queimados vivos por massas enfurecidas, e cerca de 20 mil tiveram que deixar suas casas e se refugiar em delegacias ou igrejas para não serem mortos.

Segundo o South African Institute of Race Relations, citado pela Economist, há cerca de 5 milhões de imigrantes ilegais na África do Sul, país com a mais sólida economia no continente.

Pergunto-me: será que esse surto de xenofobia poderia se alastrar pelo sul do continente e chegar a Angola?

É possível, acho, mas não para já. Ainda que Angola (Luanda, especialmente) esteja apinhada de estrangeiros, o cenário aqui me parece muito diferente do sul-africano.

A maioria dos estrangeiros em Angola – noves fora os operários chineses – constitui parte importante da elite empresarial do país.

São europeus, brasileiros, americanos, além de gente de várias outras nacionalidades, que trabalham para grandes construtoras, bancos ou para o setor petrolífero. Há também muitos técnicos de informática, empresários e consultores de todo tipo.

Sob a justificativa de que Angola ainda não dispõe de mão-de-obra qualificada em muitos setores da economia, o próprio governo encampa a vinda de estrangeiros para suprir essa carência.

Grande parte dos médicos em Luanda, por exemplo, é formada por cubanos, vindos na esteira de programas de cooperação entre os dois países, parceiros desde os tempos da guerra para a Independência em Angola.

Sinto que a relação da população angolana com esses estrangeiros endinheirados é ambígua. Se, por um lado, há certa insatisfação por eles receberem salários muito mais altos do que os seus (o que reaviva certos fantasmas do período colonial, pré-1975), por outro compreende-se a necessidade de que eles venham e, com isso, possibilitem que se explore melhor o potencial de desenvolvimento do país.

Quanto aos brasileiros, e falo por mim, acredito que recebemos um tratamento diferenciado. A familiaridade com as nossas novelas e com a música brasileira fazem, de algum modo, com que muitos deles se sintam mais próximos de nós.

Certo dia, quando caminhava por uma rua próxima ao meu escritório, uma zungueira (como são chamadas as vendedoras ambulantes) disse em voz alta às colegas, referindo-se a mim: “é o Leandro, é o Leandro!” Temeroso de que ela aludisse a um daqueles membros do KLB, apertei o passo antes que pudesse descobrir com que Leandro ela me achou parecido.

Os chineses merecem menção especial. São, em sua maioria, operários da construção civil que vieram trabalhar em grandes projetos viários ou empreendimentos imobiliários de empresas chinesas. Muitos são presidiários que, com a vinda para cá, reduzem a sua pena.

Eles andam sempre em grupos, quando nas suas raras folgas. Abordados em qualquer língua que não a sua, sorriem e apontam para os seus ouvidos, balançando a cabeça em sinal de que nem adianta tentar se comunicar.

No dia-a-dia, são transportados das suas casas às construções na carroceria de caminhões, às dezenas. Muitos pedestres param para assistir, e alguns angolanos mais debochados acenam para eles. Um ou outro chinês retribui.

(Logo escreverei mais sobre a presença chinesa em Angola, apenas parte da fascinante história da descoberta e da conquista da África pela China.)

Apesar de estarem por todos os cantos, os chineses quase não interagem com os angolanos. Além da barreira da língua, vivem em alojamentos das suas empresas, separados do convívio com a população local. E, obviamente, passam a maior parte do tempo trabalhando.

Com isso, não creio que eles possam sofrer o tipo de violência que tem acometido os imigrantes nos guetos sul-africanos. Quem estaria mais sujeito a esse risco, penso, são imigrantes que vivessem entre os angolanos mais pobres (e possivelmente mais descontentes com suas condições de vida).

Esses imigrantes são poucos, por enquanto, e a xenofobia ainda não parece ter se estabelecido com força no país.

Mesmo assim, os jornais angolanos começam a noticiar casos de deportação de imigrantes do Congo Democrático. Como o crescimento econômico de Angola tende a atrair gente pobre dos países vizinhos, a questão dos imigrantes ilegais pode logo logo se tornar relevante por aqui.

Que a tragédia na África do Sul sirva de alerta.

3 comentários:

Elisandra Amâncio disse...

Olá, mto bacana alguém que vê mais de perto essas questões da África. Cheguei aqui através do Novo em Folha. Espero voltar outras vezes. Abs e sucesso para você aí na Angola.

J. disse...

Oi, Elisandra! Fico feliz que você tenha gostado. Volte sempre! Abraços

Paula C disse...

Na África do Sul, também existem muitos médicos cubanos. É um dos principais "produtos" de exportação da ilha de Fidel!

Bjs