sexta-feira, 23 de maio de 2008

Novo endereço

O blog mal nasceu e já sofreu algumas mudanças.

A partir de agora, meus textos serão publicados na coluna Guindastes de Angola, em http://cursoabril.abril.com.br/coluna/.

Atualizarei a coluna, que também poderá ser acessada do site do Curso Abril de Jornalismo, sempre às terças e sextas-feiras.

Para saber mais sobre a proposta da Guindastes de Angola, clique aqui.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Enquanto isso, na África do Sul...

Jornais do mundo todo noticiam que 23 pessoas já foram mortas na maior onda de violência na África do Sul desde o fim do apartheid.

Insatisfeita com os altos índices de desemprego no país e com a escalada nos preços dos alimentos, parte da população pobre de Johanesburgo e arredores elegeu os culpados: os imigrantes – em sua maioria, zimbabuanos que fugiram do colapso econômico em seu país ou da repressão política perpetrada pela ditadura de Robert Mugabe.

Também são alvos imigrantes pobres de Moçambique, do Malaui e do reino de Lesoto. Alguns foram queimados vivos por massas enfurecidas, e cerca de 20 mil tiveram que deixar suas casas e se refugiar em delegacias ou igrejas para não serem mortos.

Segundo o South African Institute of Race Relations, citado pela Economist, há cerca de 5 milhões de imigrantes ilegais na África do Sul, país com a mais sólida economia no continente.

Pergunto-me: será que esse surto de xenofobia poderia se alastrar pelo sul do continente e chegar a Angola?

É possível, acho, mas não para já. Ainda que Angola (Luanda, especialmente) esteja apinhada de estrangeiros, o cenário aqui me parece muito diferente do sul-africano.

A maioria dos estrangeiros em Angola – noves fora os operários chineses – constitui parte importante da elite empresarial do país.

São europeus, brasileiros, americanos, além de gente de várias outras nacionalidades, que trabalham para grandes construtoras, bancos ou para o setor petrolífero. Há também muitos técnicos de informática, empresários e consultores de todo tipo.

Sob a justificativa de que Angola ainda não dispõe de mão-de-obra qualificada em muitos setores da economia, o próprio governo encampa a vinda de estrangeiros para suprir essa carência.

Grande parte dos médicos em Luanda, por exemplo, é formada por cubanos, vindos na esteira de programas de cooperação entre os dois países, parceiros desde os tempos da guerra para a Independência em Angola.

Sinto que a relação da população angolana com esses estrangeiros endinheirados é ambígua. Se, por um lado, há certa insatisfação por eles receberem salários muito mais altos do que os seus (o que reaviva certos fantasmas do período colonial, pré-1975), por outro compreende-se a necessidade de que eles venham e, com isso, possibilitem que se explore melhor o potencial de desenvolvimento do país.

Quanto aos brasileiros, e falo por mim, acredito que recebemos um tratamento diferenciado. A familiaridade com as nossas novelas e com a música brasileira fazem, de algum modo, com que muitos deles se sintam mais próximos de nós.

Certo dia, quando caminhava por uma rua próxima ao meu escritório, uma zungueira (como são chamadas as vendedoras ambulantes) disse em voz alta às colegas, referindo-se a mim: “é o Leandro, é o Leandro!” Temeroso de que ela aludisse a um daqueles membros do KLB, apertei o passo antes que pudesse descobrir com que Leandro ela me achou parecido.

Os chineses merecem menção especial. São, em sua maioria, operários da construção civil que vieram trabalhar em grandes projetos viários ou empreendimentos imobiliários de empresas chinesas. Muitos são presidiários que, com a vinda para cá, reduzem a sua pena.

Eles andam sempre em grupos, quando nas suas raras folgas. Abordados em qualquer língua que não a sua, sorriem e apontam para os seus ouvidos, balançando a cabeça em sinal de que nem adianta tentar se comunicar.

No dia-a-dia, são transportados das suas casas às construções na carroceria de caminhões, às dezenas. Muitos pedestres param para assistir, e alguns angolanos mais debochados acenam para eles. Um ou outro chinês retribui.

(Logo escreverei mais sobre a presença chinesa em Angola, apenas parte da fascinante história da descoberta e da conquista da África pela China.)

Apesar de estarem por todos os cantos, os chineses quase não interagem com os angolanos. Além da barreira da língua, vivem em alojamentos das suas empresas, separados do convívio com a população local. E, obviamente, passam a maior parte do tempo trabalhando.

Com isso, não creio que eles possam sofrer o tipo de violência que tem acometido os imigrantes nos guetos sul-africanos. Quem estaria mais sujeito a esse risco, penso, são imigrantes que vivessem entre os angolanos mais pobres (e possivelmente mais descontentes com suas condições de vida).

Esses imigrantes são poucos, por enquanto, e a xenofobia ainda não parece ter se estabelecido com força no país.

Mesmo assim, os jornais angolanos começam a noticiar casos de deportação de imigrantes do Congo Democrático. Como o crescimento econômico de Angola tende a atrair gente pobre dos países vizinhos, a questão dos imigrantes ilegais pode logo logo se tornar relevante por aqui.

Que a tragédia na África do Sul sirva de alerta.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Passado o susto

Quase dois meses depois de chegar a Angola, decido inaugurar este blog. Assim, espero passar a escrever com mais freqüência e de algum modo registrar e compartilhar o que tem sido presenciar as transformações extraordinárias por que passa este país.

Hoje acho conveniente não ter criado este blog logo que cheguei. A vida em Luanda assusta bastante no início. Nas minhas primeiras semanas, tive a impressão de ter me metido numa tremenda roubada ao aceitar um convite de trabalho aqui.

A cidade então me parecia extremamente hostil. As obras com que me deparava a cada esquina (estão em construção shoppings, complexos empresarias e condomínios residenciais de luxo) e que demonstram o vigor da economia angolana não me seduziam.

Pelo contrário, parecia-me (e ainda me parece, em certo sentido) que esses empreendimentos, quando concluídos, acrescentariam ainda mais problemas aos já numerosos enfrentados por quem aqui vive.

Luanda sofre da falta de infra-estruturas básicas: são constantes as interrupções no fornecimento de energia elétrica e água e há enormes congestionamentos nas ruas, sintomas de um crescimento urbano desordenado.

Afinal, a cidade foi planejada para 500 mil habitantes; hoje, calcula-se que a sua população tenha chegado a 4 milhões.

Há ainda outros graves problemas que saltam aos olhos de qualquer recém-chegado: a enorme quantidade de lixo nas ruas (esgotos a céu aberto incluídos, mesmo nos bairros mais nobres), a falta de asfaltamento (restrito a poucas vias nas áreas centrais) e o número altíssimo de vendedores ambulantes.

Em meio a essa confusão, é necessário algum esforço para enxergar aspectos interessantíssimos e auspiciosos das mudanças em curso no país. É a essa tarefa que me proponho neste blog.

Angola é o país que mais cresce no mundo hoje. Em 2007, estima-se que o seu PIB tenha crescido 24,4%. Para este ano, calcula-se um crescimento de 21,4%.

Esses números invejáveis se devem basicamente a dois fatores: a pujança da indústria petrolífera angolana, cujos lucros foram turbinados pela alta mundial nos preços do petróleo, e a pequena base sobre a qual esse crescimento ocorre – após 40 anos de guerra, o país foi completamente arrasado.

Em 2002, quando se assinou o acordo de paz, quase não havia no país estradas, indústrias ou produção agrícola. Todas essas estruturas estão sendo reconstruídas (ou construídas) agora.

Por mais que seja impossível prever até quando durará este período de acentuado crescimento econômico, seus efeitos já se fazem notar e vão além dos vistosos empreendimentos imobiliários em Luanda.

Basta, por exemplo, uma visita ao Roque Santeiro, o maior mercado aberto da África, para que se encontrem sinais da transformação do país. Esses indícios podem não parecer óbvios à primeira vista, pois identificá-los implica deixar de lado alguns preconceitos.

Exemplifico: a precariedade de suas instalações (o mercado está assentado em chão de terra batida e é rodeado por muito lixo) pode levar alguém a concluir que o Roque Santeiro é um emblema do atraso de Angola, quando se trata de um mercado surpreendentemente organizado, onde vendedores sem qualquer instrução demonstram grandes noções de empreendedorismo.

Muitos comerciantes do Roque Santeiro têm aproveitado o bom momento econômico do país para expandir seus negócios e abrir pequenas lojas. Arrisco dizer que o mercado não é só o maior centro comercial a céu aberto da África, mas também a maior escola de negócios do continente.

No campo político, o país igualmente dá mostras de progredir. Em setembro deste ano, ocorrerão eleições legislativas e, em 2009, eleições presidenciais. Será um processo muito delicado, já que as últimas eleições, em 1992, culminaram na retomada da guerra civil.

Hoje, porém, a situação política em Angola é estável, e nenhum grupo parece disposto a voltar aos tempos de conflito.

Não que, com todas essas condições, os caminhos para o desenvolvimento do país estejam livres de obstáculos. As instituições angolanas são frágeis, organismos internacionais apontam alta incidência de corrupção nos órgãos públicos e os índices sociais são dos piores do mundo (a expectativa de vida é de 41,7 anos, para mencionar apenas um deles).

Há ainda a instabilidade vivenciada por alguns países africanos próximos (Zimbábue e o Congo Democrático, por exemplo), o que serve de alerta para que não se cante vitória antes da hora.

Mas mesmo com todos os entraves, poucos angolanos diriam que as condições para o desenvolvimento do país já foram mais favoráveis. Existem, portanto, motivos para se animar.

Ademais, como disse o escritor moçambicano Mia Couto em discurso feito em 2006 na Zâmbia, “o pessimismo é um luxo para os ricos”.

Acompanhemos, pois, se Angola aproveitará a sua chance.